Lúcia Prancha, artista visual portuguesa atualmente radicada nos EUA, encontra-se no Porto a trabalhar no seu próximo projeto com o apoio da bolsa Pascaud da Filmaporto. “O Pão” propõe uma revisitação do filme homónimo realizado por Manoel de Oliveira em 1959.
A curta-metragem experimental “O Pão” dá continuidade à pesquisa desenvolvida pela artista em Los Angeles para a videoinstalação “Bread Story” (2019). Nessa altura, Lúcia Prancha trabalhou a partir de “The Bread-King Learns to Bake Bread”, o argumento que Bertolt Brecht escreveu em 1941 para os estúdios da MGM. A história – que foi rejeitada e nunca chegou a ser adaptada ao cinema – tece uma crítica à sociedade de consumo americana e à própria produção de cinema em Hollywood. No decorrer da investigação, a artista descobriu “O Pão” (1959), filme que Manoel de Oliveira realizou com o financiamento da Federação Nacional dos Industriais de Moagem. A obra – que acabou por não agradar à instituição que a encomendou – resultou num poético retrato socioeconómico de Portugal no final da década de 50, do campo e da cidade, e das suas componentes sociais e laborais.
Em 2022, a partir de processos semelhantes aos do documentário de Oliveira – entrevistas a trabalhadores em padarias, fábricas e produtoras – Lúcia Prancha propõe uma nova abordagem ao tema. “O pão, que ocupa um papel fundamental na dieta dos portugueses, é um alimento tão simples, mas, ao mesmo tempo, muito vasto e complexo enquanto tema, nomeadamente a nível histórico e político. Aliás, podemos ver um exemplo, neste momento, com a crise alimentar provocada pelo bloqueio russo à exportação de cereais ucranianos”, explica a artista.
Lúcia Prancha salienta que “O Pão” não se trata de um remake mas de uma abordagem crítica ao filme de Oliveira marcada pela perspetiva de género. A curta-metragem inclui, por isso, entrevistas a mulheres empreendedoras da indústria com negócios assentes em práticas sustentáveis e novas formas de produção. “No filme de Manoel de Oliveira, vemos o homem como representante dos trabalhadores e da indústria. Nesta versão, a mulher ocupa um papel mais presente. Estou interessada em dar destaque às mulheres e às formas de produção que têm cuidado em relação ao consumo e à produção”, explica. “O meu trabalho artístico tem a ver com isso: dar voz às questões de género e às questões laborais.”
Lúcia Prancha destaca também a importância concetual de trabalhar com uma equipa feminina. Para este projeto, convidou duas colaboradoras portuenses: Tânia Teixeira (Realização) e Alexandra Guimarães (Direção de Som).
A pesquisa e rodagem do filme estão a decorrer em vários locais do Porto, incluindo a centenária Moagem Ceres, em Campanhã, a Padaria Artesanal Masseira, em Cedofeita, e o arquivo da Casa do Cinema Manoel de Oliveira da Fundação de Serralves.
Com estreia prevista para o final deste ano, “O Pão” é um dos projetos apoiados, em 2021, pela Bolsa Pascaud da Filmaporto, destinada a artistas, realizadores e produtores a residir fora do concelho que pretendam filmar no Porto e com profissionais da cidade.